09/10/2007
A rodada de Doha e o congresso dos EUA  
Rubens Antonio Barbosa

Nunca uma negociação comercial internacional, no âmbito do GATT e agora da Organização Mundial de Comércio (OMC), dependeu tanto, para seu sucesso, de uma instituição pública nacional de um dos países líderes nesses entendimentos.

O fim melancólico do mandato do Presidente Bush fragilizado pelos resultados negativos da Guerra no Iraque, o sucesso dos democrátas das últimas eleições legislativas ganhando o controle do Congresso, a percepção de que os acordos de livre comércio do período Bush só estão aumentando o desemprego em muitos setores da economia e a aproximação das eleições presidenciais, são algumas das principais razões que explicam o crescente protecionismo que tomou conta dos partidos democrata e republicano.

É quase um cliché repetir que, no tocante aocomércio exterior, nos EUA, os republicanos são favoráveis ao livre comércio e os democratas, como reflexo da posição dos sindicatos, são mais restritivos e protecionistas. Hoje a situação mudou e a diferença, na prática, desapareceu. Republicanos, em sua maioria, de acordo com pesquisa recente do Wall Street Jornal, e Democratas, em sua quase totalidade, adotam uma atitude protecionista e restritiva ao livre comércio a fim de preservar os interesses de seus eleitores, especialmente os do emprego.

Para não ficar nas afirmativas genéricas e comprovar o dito acima, podem ser citados alguns exemplos de projetos de lei em discussão no Congresso por proposta de deputados e senadores dos dois partidos. Muitos desses projetos não se transformarão em leis, mas expressam os humores políticos prevalecentes em Washington nos dias que correm.

- Deputado Republicano Gresham Barrett requer ao Presidente que atrase ou reverta a implementação de decisão do painel de resolução de disputas da OMC ou Orgão de Apelação que seja adversa aos EUA e que envolva o cálculo de margens de dumping e media de margens de dumping e outros propósitos.

- Deputado Republicano Phil English (presidente do grupo parlamentar Brasil-EUA) visa a modificar o Trade Act de 1930 para que seja aplicado com mais rigor e precisão, acrescentando dispositivos legais para aprimoramento das investigações relacionadas ao comércio internacional de forma a garantir a proteção da indústria doméstica americana (como no caso do aço).

- Deputado Republicano Joe Knollenberg visa a alterar os procedimentos investigatórios para a imposição de direitos de anti-dumping e medidas compensatórias com o objetivo de possibilitar maior participação da indústria norte-americana que utiliza produtos importados como insumos em seu processo produtivo.

- Senador Democrata Mark Baucus visa a emendar o Trade Act de 1974 para tratar do impacto da globalização e autorizar novamente assistência financeira aos setores afetados pelos ajustes comerciais,

- Senadores Democrata, Max Baucus Presidente do Comite de Finanças, e Republicano, Orrin Hatch, determinam a compilação pelo USTR de uma lista anual das barreiras comerciais externas aos produtos norte-americanos para que sejam tomadas medidas efetivas para serem investigados a fim de que medidas comerciais restritivas sejam adotadas contra outros países; e solicitam o estabelecimento de uma comissão de juízes aposentados e peritos em legislação comercial para rever as decisões da OMC contra os EUA

O projeto do influente Senador Baucus reflete a crescente insatisfação do Congresso com as sucessivas derrotas dos EUA na OMC, como aconteceu com o Brasil no caso do algodão. Se aprovado, proibirá a Casa Branca de modificar qualquer regulamentação para cumprir as decisões da OMC até que o Congresso receba um relatório da comissão de juízes ou de peritos.

Nas últimas semanas, o Congresso, desafiando as posições negociadoras do Executivo em Genebra, decidiu aumentar os subsídios na discussão da Lei Agricola (Farm Bill), em US$ 7 bilhões, em especial no tocante ao açucar. A Senadora Democrata Hillary Clinton, que lidera as pesquisas de opinião na corrida presidencial do próximo ano, já avisou em debate eleitoral que não votará a favor de uma nova autorização do Congresso para o Presidente Bush negociar o final da Rodada de Doha.

Os EUA, talvez como tática de negociação, indicaram que poderiam aceitar significativa redução dos subsídios (US$13 a 16,5 bilhões), no momento em que analistas observam que, em decorrência da desaceleração da economia mundial, a tendência do preço das commodities, no medio prazo, será de queda. Com essa percepção, o setor agrícola nos EUA deverá aumentar a pressão para o aumento dos subsídios, na contra-mão da manifestação dos negociadores em Genebra.
Por tudo isso, qualquer que seja o resultado das negociações em curso em Genebra, é muito pouco provável que o Congresso norte-americano conceda a um presidente republicano em fim de mandato o que os republicanos negaram ao presidente Clinton no início de sua gestão: a autorização para negociar (fast track) que expirou em julho passado.

Charles Rangel, presidente de um dos mais poderosos comites do Senado, disse que hoje para os senadores a prioridade da Rodada de Doha é muito baixa e que não acredita ser possivel um acordo. “Acho que a (futura) presidente Clinton vai ter de resolver isso”, disse o Democrata, aliado de Hillary.

As pressões por parte dos desenvolvidos sobre o Brasil, India e Africa do Sul para uma maior abertura industrial podem ser jogo de cena para tentar lançar a culpa do fracasso da Rodada nos paises em desenvolvimento, visto que dificilmente os EUA aceitarão reduzir seus subsídios.

A sorte da Rodada de Doha não está em Genebra, mas em Washington, nas mãos do Legislativo dos EUA. E o resultado, mais do que previsivel.

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